Sunday, September 19, 2010

"Ocupar, resistir..."


Nem casa sem gente, nem gente sem casa”. Este é um lema ao qual o NAJUP (Núcleo de Assessoria Jurídica Popular) em seus 7 anos de existência se propõe a seguir. A temática tem caráter fundamental, ao tratarmos dela, entretanto, nos deparamos com duas palavras aparentemente sinônimas mas cheias de significados ocultos, que são usadas estrategicamente. Podemos sentir isso, sobretudo, ao cruzarmos o que é dito por cada fonte, na hora de repassar a informação: “invasão dos sem-teto”, é o que diz Jaderson Pires, repórter do SBT; “nós, que decidimos ocupar...”, é o que diz Jaílton Serafim, coordenador regional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). As palavras pesam de formas distintas, a depender de como são usadas.

Invadir pressupõe um “dono”, alguém que esteja utilizando aquilo – mas não utilizando de qualquer forma, e sim atribuindo-lhe o que a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso XXIII, chama de “função social”. Ocorre que, a exemplo do que acontece na realidade, não se invadem terrenos/imóveis urbanos, com a finalidade de estabelecer moradia, que possuam “função social” – ressalvando-se a hipótese em que se trate de algum protesto – pelo simples fato destes estarem ocupados, ou seja em atividade constante – não há, sequer, espaço físico para isso. Só se ocupa o que tem espaço, o que está vazio.

Vejamos o recente caso do Trianon, aquele edifício situado na Av. Guararapes, centro do Recife. Por 18 anos[1] aquele edifício ficou vazio, inutilizado. A única função social que arrumaram para ele, aqui na terra do pão-e-circo, foi “camarote de carnaval” – uma vez por ano. E assim foi, durante todo esse tempo. Até que no dia 7set2010 150 famílias, aproximadamente 450 pessoas, ligadas ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) ocuparam o prédio. O que aconteceu em seguida? A reação foi praticamente imediata, levando em consideração o tempo que aquele edifício ficou esquecido: no dia 09set2010 o Diário de Pernambuco publica “Ocupação no Trianon expõe fragilidade”. Motivo da “fragilidade”? A construção de um shopping no local – essa também é a idéia de “função social” aqui na terra do consumo.

O lugar, por 18 anos, serviu aos interesses privados de especulação imobiliária – ah, e de camarote de carnaval, claro – e, depois de quase duas décadas, quando ocupado por famílias que não possuem um teto – direito também ressalvado na Constituição, em seu artigo 6° – a grande mídia pernambucana faz questão de nos lembrar que aquele edifício existe, e mais, que vai virar um shopping. O respaldo está escancarado aos olhos, afinal, a que interesses serve a mídia? Aos dos ditos “invasores” certamente que não.

É necessário despertar para a clara inversão de prioridades que o Capital nos proporciona: é visível o número pessoas que andam nas ruas falando o quanto elas precisam de um novo shopping pra consumir? Ou melhor, essas pessoas existem? Por outro lado, também andando nas ruas, quantas pessoas dormindo no chão, em baixo de pontes, ou marquises de lojas podemos ver? O seria função social neste caso? A construção de um shopping atendendo aos interesses privados ou a garantia de uma moradia digna a estes trabalhadores – exaustiva e diariamente explorados por estes mesmos interesses privados – que lutam por uma causa não simplesmente justa, mas humanamente fundamental?

Que a dita “fragilidade” da ocupação seja, na verdade, seu combustivel para lutar.


“Se morar é um direito, ocupar é um dever!”

[1] O SBT diz 18 anos, o pernambuco.com diz que tá abandonado há 15 anos, o Diário de Pernambuco diz há mais de 20 anos... Bom, se alguém souber, me corrija, por favor.

*Imagem retirada de: http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/09/09/urbana9_1.asp


Texto para publicação no jornal O Estilhaço .

2 comments:

Dani Guerra. said...

A primeira coisa que não posso deixar de comentar aqui é que fiquei de fato muito feliz ao ver que o blog foi atualizado, que você voltou a escrever e a escrever muito bem.
Esse assunto, que ultrapassa o limite de ser apenas um assunto polêmico, é algo muito maior e de grande importância, vai além de delicado, é urgente e precisa sim de muita força para que se consiga objetivos reais e rápidos. Não vejo outra alternativa que não seja persistir, lembrando sempre dos motivos justos e coerentes dentro da nossa sociedade. Não é pedir demais, é exigir o necessário, o essencial.

Denise said...

Vais pra marcha no sábado?